O Tempo, um senhor barbudo e de costas arqueadas, que sofre de terríveis dores nas juntas, já pediu licença pra poder passar. Eu era ainda muito menina e como não tinha pressa abri caminho para que aquele doce senhor pudesse prosseguir. Desde lá fiquei admirando a sua desenvoltura, a forma como ele ganha espaço e de repente some, e volta e desaparece novamente.
O Sr. Tempo sempre surge na minha frente e nunca consigo alcança-lo pra podermos conversar. O vejo passar, da janela dos meus quase 30 anos, assim como já vi muita gente por aqui, desde pequena eu uso o olho mágico da porta pra espiar quem vem.
Já vi mãe que não cabe em si de tanto amor, que oferece a vida em troca de um sorriso. A mãe que me escolheu como filha caçula, que não me planejou, mas que amou desde sempre essa peça pregada pelo destino. Quem diria que eu nasceria assim tão cabeluda?! Os vizinhos duvidavam da minha saúde. D. Lili já tinha quase 45 e a máxima daquele momento era a Sídrome de Down. Mas para contrariar tudo e todos, como sempre, eu vim bela e formosa.
Já vi pai chorando de dor de coração, mas não o coração que pulsa, esse coração muscular. Meu pai chorou uma dor de coração diferente, uma dor de perda, de não saber o que fazer.
Acho que ele chorou tão dolorido que o Sr. Tempo cedeu mais dias da sua caminhada para minha mãe. Meu pai chorou com medo de perdê-la.
Foram eles que me ensinaram que o amor não conhece o Sr. Tempo, e não se importa com a passagem dele, pelo contrário, o amor ri cada vez mais aberto com o passar do Tempo. E eu, que sempre fui de obedecer desobedecendo, achei que essa história de amor comigo não ia pegar.O sr. Tempo foi passando, foi me dando ancas largas e tirando a firmeza da pele. A vida foi andando e eu continuei a esperar.
Não seria tão divertido sem os irmãos por perto, é claro. Sem ter a Sandra a me educar, mostrando os caminhos certos e ensinando a falar. Falar alto, falar o que sente, falar pra fora. E me ensinando a cantar e a ter amigos. Muitos, sempre. Porque os amigos me fariam companhia em todos os momentos. Aprendi tão bem que hoje coleciono bons amigos de porta-retrato.
E tinha o Marinho, com sua atenção desmedida e um carinho infinito. E o André com seu olhar doce e seu abraço arrebatador. Que pedia cafuné e sanduíche. E que recebia sempre minha atenção redobrada, um ensaio, talvez, para a mulher que me tornaria. E o Adilson que me enchia de presentes lindos e caros. Que se preocupava com meu figurino nas festinhas e que me levava na Happy, a loja mais bacana da cidade.
E o Márcio com seu bom gosto musical e incrível. Com sua inteligência arrebatadora, com suas opiniões de esquerda, com a estrela vermelha cravada no peito. Foi com ele que eu bati pé e insisti em achar que a política pode funcionar e que acreditar é o primeiro passo para o sucesso do mundo. E a minha linda Cíntia, sempre severa consigo mesma e sempre tão altruísta. De onde ela poderia tirar tantas mãos pra estender? Nunca consegui descobrir, mas é a ela que meu coração recorre sempre, mesmo quando não precisa falar.
Minha família perfeita me ensinou a lidar com o Sr. Tempo, a dar tempo a ele, para que tudo se acalme dentro do peito. E se acalma mesmo, é só questão de tempo. E eu aprendi que no mundo sempre existe um sorriso pra olhar, um colo pra deitar e um amor pra amar.
Porque, mais uma vez contrariando as expectativas, o amor veio. De mansinho, quietinho, sem deixar recados. Veio na surdina, na festa despretensiosa, no olhar avassalador. E veio cheio de problemas e carências, exatamente do tamanho da minha vontade!
E o Sr. Tempo me acena de longe, com um sorriso discreto. E eu respondo correndo na vida, cumprindo seus horários e suas regras pra poder partilhar com pais, irmãos e amor uma vida cada dia melhor.
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