Eu sou o tipo de mulher que resiste a uma liquidação.
Só compro roupas quando realmente gosto muito da peça.
Não sou obcecada por bolsa, muito menos por sapatos.
Aliás, sapato eu só compro quando o que eu tenho acaba. Acaba mesmo, gasta a sola, machuca o pé.
Acho bonito e tal, mas não tenho problemas em entrar naquelas imensas lojas com pares de todas as cores, saltos, modelos. Com brilho, sem brilho, salto fino, plataforma. Botas, sandálias, rasteiras e por aí vai.
Claro que eu consumo, mas normalmente sou bem educada e controlada, só não me larguem numa livraria, por favor!
Aí sim vocês conhecerão uma mulher louca.
Passeio pelos corredores como quem busca o néctar da vida. As capas lindas e intocadas, as páginas de um branco opaco (que ajudam a leitura pois não refletem a luz, já tinham pensado nisso? Pois eu sou produtora gráfica!!!).
Às vezes penso que nasci numa biblioteca, mas na minha casa tinha muitos livros, exceto os da minha irmã mais velha.
E eu nem me alfabetizei no pré, como a maioria das minhas amigas.
Aliás, eu só consegui virar sócia da biblioteca do colégio lá pelo segundo ou terceiro mês de aula, na primeira série.
Isso era 1985 e a coordenadora geral da escola chamava um por um, numa salinha pequena onde tinha um grande quadro com o texto da formiguinha. Lembro que errei várias palavras, de nervoso, mas consegui “passar no teste” e fui correndo fazer minha carteirinha. Depois disso eu viciei no cheiro de lá. Competia comigo mesma.
Queria registrar na ficha verde o maior número de livros. E para isso acontecer eu usei a estratégia da leitura rápida. Pegava um livro num dia e devolvia no outro. E assim fui acumulando várias histórias.
Tive fases e livros inesquecíveis, como Qüeco, o Pato Selvagem. Ou ainda “Um cadáver ouve rádio”, da coleção Vaga-lume. Tinha a série da Diana, que eu amava e o momento Érico Veríssimo, li todos que estavam disponíveis, destaque especial para “Música ao Longe”.
Com o tempo o gosto pelas palavras foi aumentando e a vontade de escrever também. Os professores diziam que só escrevia bem quem gostasse de ler, e eu queria escrever bem!
Além de não poder entrar em livraria tenho um fraco por Sebos.
Os livros amarelados, com tantas histórias além das suas próprias histórias. As páginas com orelhas dobradas, decerto alguém parou a leitura ali, ou os nomes anotados na primeira página. Alguns vêm com frases grifadas, telefones anotados, nomes enfeitados de coração.
Tudo me encanta.
Outro dia eu tive que sair da agência no meio da tarde, resolver um problema na rua. Sabia que no meu caminho havia uma Livraria.
Cheguei na esquina e a vi, portas abertas, vitrine enfeitada. Respirei fundo e pensei em não atravessar a rua naquele ponto, poderia ser perigoso, mas não resisti.
Tentei enfrentar meu medo e estanquei, frente às novidades.
Aliviada vi que os títulos expostos não passavam de auto-ajuda, gênero que não me agrada. Fiquei feliz por ter resistido, mais um passo e, quem eu vejo? Lindo, vermelho e amarelo, novo e louco de vontade de ser devorado...lá estava o lançamento de Nelsinho Mota, a biografia de Tim Maia “Vale Tudo”.
O coração bateu forte. O “Verdades Tropicais”, do mesmo autor, é um dos meus preferidos da estante. Tim Maia eu amo desde que nasci, e biografias são uma grande paixão.
Entrei. A moça me perguntou se eu procurava algo especial, quase respondi grosseiramente “é lógico, estou numa livraria! Se estivesse buscando alguma coisa qualquer eu iria ao shopping”. Mas fui educada e apenas respondi “vou dar uma olhada geral”, o que normalmente as mulheres (eu) falam ao entrar nessas imensas lojas de departamento.
Busquei freneticamente o livro, mas não achei. No entanto vi os novos do Millôr e quase tive uma síncope. Lindos, ilustrados pelo Angeli e com laminação fosca na capa. Agarrei os dois, mas decidi levar apenas um. Entre “Novos Contos” e “Novas Fábulas Fabulosas”, acabei optando pelo primeiro, adorei o que dizia a contra-capa.
Mais uma busca rápida e encontrei o que queria, Tim Maia em versão escrita. Nossa, minha boca ficou seca.
Corri pro caixa, paguei a vista e em dinheiro e saí, toda orgulha da livraria.
Sai com a sacola em punho, balançando contra o vento, sorriso no rosto, cabelo esvoaçante.
Queria mesmo era chegar em casa logo, deitar de bruços, aconchegar a cabeça e os braços no travesseiro fofo e degustar meu novo amor.
Foi um delírio...foram apenas 3 dias...quando eu amo eu quero o tempo todo, então era no banheiro, no ônibus, na cama, no horário do almoço...até na fila do fast food eu lia, lia, sorria, chorava, lia mais um pouco e esquecia de tudo ao meu redor!