1/28/2008

"tem certos dias em que eu penso em minha gente e sinto assim todo o meu peito se apertar"

- para o meu avó, que eu chamava de "Opa"

Essa noite eu sonhei com o senhor...me vi há 15 anos atrás, chegando do colégio cansada, bochechas vermelhas, braços doloridos de carregar o material, pés sufocando de calor no tênis “da hora”.
Empurrei o portão barulhento e passei no estreito corredor entre sua casa e o vizinho. Senti o cheiro que vinha do porão, aquele cheiro ocre de terra seca. Até ensaiei uma espiadela pelos buracos, mas já sabia de cor o que ele guardava.
Vi o senhor tão direitinho que ao acordar levei um susto com a vida que encontrei.
Olhei incrédula ao redor e minha irmã não estava na cama do lado.O despertador tocando e eu confusa com o mundo de gente grande me esperando. Tinha sido apenas um sonho bom.
O senhor estava confortavelmente sentado em sua cadeira de vime, balançando o corpo num ritmo lento e gostoso. Ao me ver sorriu, como fez durante toda a vida, levantou o braço direito e pude observar sua mãos de dedos já cansados.
No colo o rádio marron remendado de esparadrapo, na cabeça o velho chapéu e tantas lembranças.
O senhor costumava passar as tardes ali, analisando o quanto o mundo moderno havia modificado aquela rua, as casas, as pessoas. Conhecia todos, cumprimentava todos, sorria. Imagino quantas histórias não revivia.
Eu só pude acompanhar parte da sua vida, a última parte dela, infelizmente. Mas sempre me orgulhei dos seus lindos olhos azuis, das suas histórias, da sua cadeira de balanço, do fato do senhor ter sido uma pecinha na construção de uma cidade. Sempre me senti em casa na sua casa, mesmo não abrindo a geladeira nem para pegar água. Sempre morri de satisfação quando ganhava pequenas lembranças de aniversário...seus presentes, eu sei, eram simbólicos, mas davam a concreta certeza que o senhor me amava.
Na minha crítica adolescência eu queria ser bonita e inteligente, mas sempre tinha aquela prima magra e alta, com excelentes notas no boletim. O pouco de auto-estima se dilacerava quando aquela tia fazia questão de não demonstrar seu amor por mim.
Meu refúgio eram suas palavras, seu elogios aos meus traços germânicos, embora fosse eu a neta de cabelos mais pretos. Era no seu olhar de aprovação que eu buscava a serenidade para continuar, para não odiar o fato de ser pequena e acima do peso.
Minha rotina de estudante permitia que acompanhasse seu café da tarde, a única xícara, o único prato, a disposição dos talheres, o cheiro do café passado em coador de pano. Lembro da porcelana decorada, do seu pão com manteiga, do pedaço de lingüiça fora do prato.
Eu chegava de surpresa e o senhor sorria sempre pra mim, os lábios brilhando de gordura, a fala dificultada pela doença, a tosse que o constrangia.
Acho que crescer ao seu lado foi uma das melhores coisas da minha infância, eu que nunca caí de uma árvore, que nunca quebrei nenhum osso, que nunca escorreguei de calhão nos morros. Eu que sempre fui protegida, sempre gostei de ficar ouvindo as conversas dos adultos, que nunca achei genial as brincadeiras no mato.
Pelo menos hoje, aos 28 anos, com uma vida de verdade, um trabalho estressante, contas a pagar, posso me valer de ter tido um avó de verdade.
Um avô de livro, um avô que dá saudade. O senhor sempre foi especial para mim, sempre foi o preferido e sempre vai ser. O carinho, o orgulho e os elogios estão cuidadosamente guardados nas minhas melhores lembranças. Estão colocados no altar do passado, junto com tantas outras coisas boas de lembrar.
Hoje eu sinto falta dos seus olhos azuis, de brincar no quartinho das ferramentas, de sentar ao seu lado na varanda, mas tenho certeza que um pouquinho do senhor segue comigo, para todo o sempre, como devem ser os amores de família.Esteja onde estiver continue comigo...

Um comentário:

Paula Braun disse...

Lindo texto! Tu me faz chorar, guria...
Beijos no coração.