4/23/2008

"oh chuva, só peço que caia devagar"

Não basta querer.
A rotina, o trabalho, os problemas, a falta de grana. Tudo é claro, faz parte da vida, mas não adianta sentar e reclamar.
E ela sabia que as coisas não seriam como ela sonhava. Tinha certeza que o caldo poderia entornar, ainda mais com sua pouca habilidade na cozinha.
O fato é que estava um pouco cansada de dar sem receber.
Estava exausta de ter que medir as palavras em conta-gotas e ser obrigada a engolir litros de desaforos.
Sempre foi adepta da gentileza, do agrado. Não se sentia menor em fazer, mas gostava de ser reconhecida por isso.
Jamais fez algum favor a alguém esperando algo em troca. Só que era um alento à sua alma, sempre tão carente, ter a certeza que poderia ganhar atenção sempre que precisasse (e ela sempre precisava).
Não era o caso de querer ser agradada vinte e quatro horas por dia, isso não. Mas queria receber carinho, elogios, beijos despretensiosos.
A simplicidade dos gestos era muito mais importante que uma noite de sexo selvagem.
Ser bem tratada, ser ouvida, ser aconselhada, ser envolvida num abraço carinhoso, era disso que estava precisando.
E por que, Deus, era tão difícil? Por que as coisas tinham que ser assim?
Será que não dá pra ser legal todos os dias, ela pensava?
Ela entendia que as pessoas têm dias ruins, e compreendia tão bem que ficava em silêncio, não fazia perguntas.
Mas não bastava. Ela sempre gostou de entender as coisas de verdade, começo, meio e fim.
Tomou coragem e algumas cervejas (muitas) e decidiu abrir o bocão.
Chorou, lamentou, esperneou e temeu não ser compreendida. E lógico, não foi.
Mais uma vez teve que ouvir duras verdades e dolorosas meias-verdades.
O problema maior foi ter que reconhecer que nem sempre era assim tão altruísta quanto se considerava e reparar que muitas vezes a aspereza alheia era o reflexo da sua própria forma de lidar com os fatos.
Também havia errado, e muito, no cálculo das verdades. Também havia magoado, também havia ferido um coração.
Foi dormir embriagada, de cervejas e tristezas. Pensou se aquilo tudo realmente valia a pena e acordou temendo ser convidada a se retirar daquela cama que amava tanto.
Levantou no silêncio, tentou vestir-se na bruma da manhã, para não incomodar seu sono.
Não houve jeito, ele percebeu sua ausência na cama e, antes mesmo do bom dia, perguntou de forma fria: “vai embora?”
O coração dela correu do peito para a boca, a respiração parou por dois segundos e o estômago sentiu um vazio interminável.
Ela apenas respondeu: “não”.
Ele virou-se para o lado e voltou a dormir. Logo em seguida espirrou, como de costume, e pediu a ela que buscasse os lenços de papel.
Logo depois ele se levantou, ela estava sentada no sofá da sala. Os olhos caídos de ressaca e noite mal dormida ganharam um brilho extra ao se encontrarem com os dele, num olhar rápido entre o corredor e o banheiro.
Ele aconchegou-se com a cabeça no seu ombro e disse: “minha coelha”.
E o domingo de chuva lavou a alma dela. Não tocaram mais no assunto, certos que tudo estava resolvido.

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